Catarina Fonseca - JANEIRO 1 2000 • ACTIVA Nº 110 pp 106-109
Só podemos dar aquilo que temos. E desenvolver uma atitude positiva é o primeiro passo para tornar este mundo um lugar muito mais habitável para as nossas crianças. A vida é bela? É, se assim o quisermos.
0 Bernardo tinha 11 anos quando chegou a casa com a sua primeira negativa. Vinha quase a chorar, de olhos no chão. A mãe... Teresa Forjaz recorda a história com uma gargalhada. "Tratei de o animar, claro. Deixa estar, vais recuperar num instante, basta leres mais um bocado."
0 optimismo também passa por estas atitudes tão banais mas tão importantes como a de ajudar uma criança a acreditar que vai conseguir melhorar uma nota. Alguns estudos têm mostrado que os membros de uma família revelam níveis semelhantes de optimismo ou pessimismo, ou seja, aprendemos a ser optimistas ou pessimistas com quem está mais próximo de nós. Estes dados lançam um desafio a todos os pais e professores: o de criarem crianças positivas.
Os optimistas têm mais possibilidades de se darem bem na vida: têm auto‑estima, não estão sempre a pensar nos seus pontos fracos, têm objectivos de vida e fazem tudo para os atingir, aceitam as suas vitórias e os seus erros, poupam imenso tempo a criticar os outros e a autocriticar-se, e, sobretudo, têm grandes probabilidades de serem mais felizes e bem sucedidos.
Mas a verdade é que ainda se pensa nos optimistas como um dos extremos da balança que tem no outro prato os pessimistas e no centro a virtude, ou seja, os ‘realistas'. Cada vez mais, no entanto, o optimismo é visto como o verdadeiro realismo: uma espécie de realismo emocional, que através de uma percepção positiva da realidade nos ajuda a ver a vida com outros olhos: e, graças a isso, a construir uma vida melhor.
0 optimismo e o nosso fado
0 que é ao certo o optimismo? Segundo a psicóloga Helena Marujo, autora, com Luís Miguel Neto e Maria de Fátima Perloiro, do livro ‘Educar Para o Optimismo' (ed. Presença), o optimista "é uma pessoa que é capaz de se rir das suas desgraças, que encontra sempre alguma coisa de positivo, de engraçado, de divertido, em particular nas experiências menos positivas. É aquele que sonha e que corre o risco de que esse sonho se venha a realizar. É aquele que acredita que tem capacidades para gerir o seu destino, e que a vida não é uma coisa imposta mas algo que se constrói".
Se ainda não está muito convencida, observe as vantagens imediatas: "É quando sou confrontado com um problema que sei se sou optimista ou pessimista. Quando bate com o carro, o pessimista pensa: ‘Que chatice, lá tenho de pagar não sei quantos contos, lá fico sem carro não sei quanto tempo.' 0 optimista pensa: ‘Ainda bem que ninguém se aleijou.' E enquanto o outro lamenta. ‘Isto só a mim!', já o optimista chamou o reboque e se meteu num táxi."
Apesar de a maioria das pessoas ter uma atitude optimista, a cultura portuguesa não prima pelo pensamento positivo. Os telejornais são o choradinho que se sabe. E a voz do povo também não ajuda. Quem não se lembra de ditados tão animadores como "Quanto mais alto subires, de mais alto cairás", "Quem vai ao mar perde o lugar", e o supra-sumo do optimismo: "Muito riso, pouco siso".
Não é normal estar-se feliz?
"As pessoas optimistas são aquelas que acham que a vida vale a pena ser vivida", nota Filipa Monteiro, 26 anos, jornalista. "Mas a partir de uma certa idade és suposta portar‑te como deve ser. Se depois dos 11 anos andas no meio da rua a rir, toda a gente diz: ‘Olha aquela pateta.' No trabalho, ficas com fama de palhaça e corres o risco de não te levarem a sério."
"Na nossa cultura, por mais estranho que pareça, não é normal estar-se feliz", nota Helena Marujo. "A nossa filosofia é esperar o pior para estarmos sempre preparados. Depois quando as coisas correm bem, ficamos contentes. 0 pior é que enquanto estás a pensar a vida vai correr mal, estás a sofrer. Para além de estares a aumentar a possibilidade de que te corra mal mesmo."
Educada em Portugal por pais ingleses, Isabel Stilwell, directora do ‘Notícias Magazine', nota principalmente uma diferença de 'descontracção' entre as duas culturas. "0 que eu acho que é muito inglês é a capacidade de nos rirmos de nós próprios. Talvez as coisas boas não sejam levadas muito a sério, mas os fracassos também não. É importante sermos pais optimistas, embora os miúdos só aos 10 anos tenham capacidade para se rirem das próprias asneiras. Em Portugal, parece que nunca passamos dessa fase: as pessoas acham sempre que nos estamos a rir delas próprias, não das situações."
A alegria, o sentido de humor (às próprias custas ou na variante negra, tão mal entendida entre nós) estão ligados ao optimismo. "Eu rio-me muito de mim própria, e às vezes dizia coisas como: 'Sou mesmo idiota, dou tantos erros.' Depois ouvia: `A Isabel, até ela própria, admite que dá erros.' Costumava dizer que, em Portugal, à primeira riem, à segunda acreditam. E mistura-se muito seriedade com sério. Numa reunião, por exemplo, fica muito mal alguém estar a rir e a dizer piadas."
Optimistas por teimosia
Mesmo que a nossa cultura permaneça mais adepta do noivado do sepulcro do que de um amor feliz, está nas nossas mãos lutar contra isso. E ser optimista não depende das circunstâncias mas da atitude. Elvira Ferreira, 66 anos, uma professora de Matemática, reformada, criou seis filhos sem ajuda. "Quando fiquei viúva, a minha filha mais velha tinha 15 anos, a mais nova 2. Mas sempre fui uma pessoa optimista, e acho que lhes passei esse optimismo. Nunca quis que eles se sentissem desgraçadinhos, e odiava que as pessoas me dissessem ‘Coitadinha, viúva...' De onde tiro o meu optimismo? Confiando. Sou uma pessoa profundamente cristã, e isso dá-me força e alegria. Quando alguém me vem com alguma queixa, do tipo `porquê a mim, não tenho culpa', digo sempre: Jesus Cristo sofreu muito mais e também não tinha culpa." (ri)
Ser optimista é uma forma de desintoxicação mental, libertando-nos de muitas dependências que nos impedem de viver a vida da melhor maneira. E ao contrário daquilo que os mais fatalistas possam pensar, não há optimistas ou pessimistas de nascença. "Nós somos principalmente formados por uma cultura e uma educação", diz Helena Marujo. "Quando pergunto às crianças com discurso pessimista quem é que na família deles costuma reagir assim, lá vem: Ah, é a minha avó, ou o meu pai. ' A não ser que se seja optimista porque o próprio encontrou gente tão negativa que para se proteger teve de dizer: 'Não quero isto'."
Apesar de ninguém ser optimista ou pessimista de nascença, pode-se vir ao mundo com mais ou menos probabilidades de ver a vida cor-de-rosa. Se observarmos num curso para grávidas lançado recentemente pelo Instituto da Inteligência, percebemos que o optimismo não se cultiva desde o berço, mas desde antes do berço.
"Durante a sua gestação, os bebés ‘aprendem' a conviver com as impressões que recebem do exterior e da mãe", afirma o Dr. Nelson Lima, neuropsicólogo. "Essas impressões intervêm profundamente na formação das redes de neurónios e nas dinâmicas psíquicas que formam a memória, os pensamentos, as emoções, etc. Estímulos negativos, intensos e prolongados deixam marcas nas crianças. Já os estímulos positivos enriquecem o desenvolvimento cerebral, mental e emocional."
A ajuda do Instituto da Inteligência consiste em aulas de relaxamento, sons, diálogo mãe/filho, exercícios de criatividade, etc. Mas mesmo as mães que não sigam este programa podem dar à luz crianças felizes. "É necessário que a atitude perante a gravidez seja optimista e positiva. É necessário banir os medos, o nervosismo, os estados ansiosos e depressivos prolongados. Pode ainda adoptar um programa pessoal com momentos de descontracção, música agradável, conversas com o bebé, exercícios de imaginação (criar imagens mentais agradáveis, observá-las tranquilamente, alterá-las, fazê-las evoluir para outras imagens)."
Educar para o optimismo
Uma criança de 3 anos ri-se 90 vezes por dia. Um adolescente já baixou para 20. Mas há razões para que as crianças pequeninas sejam mais optimistas. "A transição do jardim de infância para a primária, em Portugal, é assustadora", nota Helena Marujo. "Um é a cultura das emoções, do respeito individual, da cultura da criatividade. E, de repente, entra-se na cultura da normalização, da conformidade, em que imperam valores como o silêncio, o não mexer, o obedecer..."
Num inquérito, quando perguntaram a algumas crianças o que era ser um bom aluno, a maioria respondeu: fazer o que a professora manda, ser obediente, portar-se bem, estar quieto e calado, fazer os trabalhos. "Não é ser criativo conseguir pensar bem, gostar de aprender. É a obediência e o elogio ao trabalho. Se estiver na minha cabeça que a criatividade é uma coisa perigosa, então tudo o que seja diferente é uma ameaça para mim. Portanto, eu tenho de arranjar maneira de diminuir as probabilidades de ser posto em causa. Se o aluno se portou mal, eu não posso pensar imediatamente: ‘Está a fazer de propósito para me chatear, vou castigá-lo' em vez de pensar, ‘se calhar precisa de atenção'."
Por outro lado, recorda que muitos pais ainda esperam da escola este estabelecer de limites: "Esperam que ela ponha o colete de forças aos meninos, porque eles não têm tempo nem sabem como o fazer."
Alguns pais têm uma noção errada dos materiais com que se constrói a felicidade. "Claro que todos os pais desejam que os filhos sejam felizes. Mas fazem tudo no sentido inverso a essa felicidade. Estão sempre a rabujar, são ameaçadores, limitativos, críticos. Não têm oportunidade, nem tempo nem sabem brincar. 0 que aumenta as hipóteses de as crianças terem de desatinar para os pais repararem neles. Depois entram na adolescência e pensam: ‘Já chega de família a controlar.’
Têm muito medo de elogiar e mimar, e as recompensas ainda encontram muitas resistências. "A maioria dos pais e professores acha que não deve premiar esforços! Se o meu filho tem boas notas, porque é que eu hei-de dar-lhe dinheiro? Claro - se lhe derem uma escola atraente e estiverem atentos às suas necessidades, tudo bem. Mas se só lhe damos mal-estar e experiências negativas e, ainda por cima, não reconhecemos o seu esforço, só apetece dar um tiro na cabeça..."
Ainda continuamos a aprender pela obrigação, pela ameaça, pelo castigo. "Pensar em termos de: ‘Se estás a estudar, mereces prémios e elogios' é tão difícil para os portugueses! E um mero elogio tem resultados tão fantásticos! Depois aparecem-me crianças a dizer que querem morrer. E a não ser que os miúdos aceitem a normalização, a escola não tem respostas para lhes dar. Isso vê-se nos desenhos deles. Até à primária, eles fazem desenhos muito criativos. Depois, as casinhas tornam-se todas iguais."
0 pessimismo cura-se?
Não é por acaso que somos os educadores que somos. A maior parte das vezes, educamos de certa maneira não porque assim decidimos mas apenas porque nunca parámos para pensar nisso.
Como é que se transforma um pessimista num optimista? "0 importante é achar uma alternativa, ou então a geração que a gente está a criar vai ser uma geração de desânimo", defende Helena Marujo. "A perspectiva que lhes estamos a dar neste momento é a de que ser crescido é uma chatice. Há muitos miúdos que me dizem: `Eu não quero crescer.' Também tenho cada vez mais dificuldade em conseguir que os miúdos mais pequenos sonhem, me falem de futuro. Quando lhes peço para pensarem termos de desejos, a maioria dos miúdos não consegue lembrar-se de nada para pedir. Já nem são capazes de desejar. Isto é terrível."
Como toda a gente sabe, os abismos são hipnóticos: mas não são invencíveis.
Portanto, é urgente saber como é que podemos vencer os nossos fantasmas.
"Temos de começar por perceber que podemos escolher estar de um lado ou doutro", afirma a psicóloga. "E treinar a flexibilidade de pensamento. Podemos pensar: ‘Espera lá, isto é uma hipótese, mas há outras.' Há dezenas de explicações para o que nos acontece. Porque é que havemos de pegar sempre nas mais negativas?"
Recorda a história de uma professora primária que começou uma pega com um aluno porque o mandou sentar. "Ele queria ir para outro sítio, a professora já estava histérica, ele chorava, os outros já não sabiam onde se enfiar. Então a professora disse: ‘Acabou-se, vou agora mesmo escrever aos teus pais.' E escreve: `O aluno, advertido por diversas vezes para se sentar, recusou obedecer. Etc. etc.' Dá-lhe para assinar, e o miúdo ‘não assino, não assino', até que ela resolve perguntar-lhe: ‘Mas não assinas, porquê?' E ele muito choroso: ‘É que eu não estava nada divertido...' Claro que a coisa acabou com uma grande gargalhada, mas podia ter acabado mal. Se não dou espaço ao outro para se explicar, envolvo-me em situações sem sentido. Ao flexibilizar a interpretação das situações, crio hipóteses para ser mais optimista."
Como é que se ajuda as crianças? "Para já, sendo bons modelos. Ao meu filho mais novo, habituei-o desde pequenino, quando alguma coisa corria mal, a pensar: tudo se resolve. Tal como é possível automatizar respostas negativas, também é possível automatizar as positivas."
Importante é ainda estimulá-los a sonhar e a imaginar que a vida vai mesmo correr bem. Claro, ninguém é uma mãe perfeita, e os dias de hoje não ajudam. Tudo isso é verdade. "Às vezes, quando estamos com as crianças, sentimos que estamos a perder tempo, e a tendência é para despachar. Mas se não pudermos controlar o que está fora, ao menos que se controle o que está por dentro. E enquanto a sociedade não nos deixa respirar de maneira mais aberta, a solução é esta: olhar para as coisas de outra forma."
Um educador optimista...
1- Recusa o perfeccionismo, mas sabe que pode sempre melhorar.
2 - Sabe que a forma como olha, interpreta e sente a realidade determina em muito essa mesma realidade. Vê o melhor e espera o melhor.
3 - É aquele que, em Portugal, vai contra a cultura do desânimo, do desalento e da crítica.
4 - Acredita que ‘o destino não está marcado'. Pode - e deve - transformar sonhos em realidades.
5 - Nunca se esquece que tem nas mãos uma parte central do seu próprio futuro e do futuro dos seus educandos.
6 - Sabe que um insucesso ou um erro não é um pecado, mas uma óptima experiência de aprendizagem. Anota, aprende e segue em frente.
7 - Está atento à construção da imagem positiva dos seus educandos, valorizando-os, aceitando as suas insuficiências e perdoando-os nas suas imperfeições.
8 - Sabe que os outros têm sempre razões para se comportarem como se comportam, e que mesmo nas pessoas mais difíceis é possível ver talentos.
9 - Gosta de si, aprecia-se e transmite entusiasmo aos outros.
10 - Sabe lidar de forma controlada com as emoções mais negativas que os seus educandos lhes provocam. Ouve mais do que fala, respeita mais do que impõe.
Como desenvolver a auto-estima, nas crianças
1 - Mesmo que tenha pouco tempo, quando estiver a ouvir, escute mesmo.
2 - Deixe-os expressar sentimentos, mesmo negativos. Evite o discurso: "Não se chora", "Isso não é nada", "Tem coragem".
3 - Quando apropriado, deixe que eles tomem as próprias decisões.
4 - Trate-os com cortesia. Respeite os seus espaços e possessões, diga‑lhes se faz favor e obrigado.
5 - Dê-lhes bastante encorajamento e afecto, mas na justa medida. Falsos louvores só levam a uma falsa percepção das capacidades. Valorize mais o esforço que fazem do que o rendimento que obtêm.
6 - Use a empatia. Quanto melhor entender as crianças e jovens, menos paciência precisará para lidar com eles, pois estará a perceber o seu ponto de vista. Ajude-o a desenvolver a empatia levando-o a partilhar sentimentos, bons e maus. Vá-lhe perguntando como se sente e se ele entende como os outros se sentem.
7 - Evite expressões como: "Tu deves, porque eu quero, não há discussão, vai imediatamente, cala-te." Ninguém gosta de ser mandado, tenha a idade que tiver.
8 - Partilhe com ele aquilo que você gosta, valoriza e ama. Dê-se mais.
9 - Seja entusiasta; positivo e alegre. Ensine-as que é bom exprimir os nossos sentimentos, que não faz mal estar nervoso ou zangado. 0 que se faz com essas emoções é que convém controlar, para não provocar sofrimento nos outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário