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Ter um irmão não é o melhor do mundo. Não tem uma graça por aí além não só dividir 100 por cento de pai e de mãe como, com a chegada dum irmão, passar a dispor – na melhor das hipóteses de 30 por cento de mãe e de um pouco mais de pai. Não “esfrega o ego” passar de príncipezinho ou de princesa a segunda figura, sobretudo quando os amigos da família passam a ter uma atenção mais condescendente com uma criança enquanto mimam e guardam todos os “posso pegar nele?” para quem está a chegar. E é dum desalento sem limite que, volta não volta, um dos pais repita – a propósito de tudo e de nada – “tu és o mais velho” como se, com isso, evocasse um estatuto cheio de “algodão doce” com que mima um filho mais velho quando, na verdade, essa qualidade mais parece um imposto de valor (sempre) acrescentado que estraga a boa disposição a qualquer pessoa.
Ter um irmão não é – mesmo! – o melhor do mundo. Significa ir ver a mãe a um local parecido com um hospital, deixá-la lá (como se estivesse muito doente) enquanto as pessoas, sempre que a visitam, em vez de tristes, lhe dão abraços e presentes, e parecessem não dar importância ao pavor duma criança dela poder... morrer. Significa estar-se, temporariamente, proibido de lhe saltar para o colo, em voo picado, e aterrar nas suas meiguices, porque ela se mexe devagarinho e, embora os seus olhos não enganem, tudo pareça ser para ela mais doído e complicado. E significa avisos contra os berros e as birras (por causa do suspeito do costume...), avisos a propósito da liberdade condicional nas idas ao parque (porque sua excelência, o bebé, não pode apanhar sol), e avisos contra o estacionamento, em segunda fila, dos brinquedos pela sala, porque o bebé se pode magoar.
Ter um irmão não tem graça nenhuma. Sobretudo quando uma criança “acorda com as galinhas”, se levanta “de madrugada”, se tem de vestir a correr e engolir os cereais sem direito a canal Panda enquanto ele, o “filho querido”, fica a dormir no quentinho, com a mãe, passa a manhã com ela, e tem o olhar mais açucarado do universo à espera dele, mal abre um olho. E, se ele acorda a chorar e esganiçado, ninguém o manda ser pateta e mal disposto. É por causa dessas, e por outras, que (por mais que os pais achem o contrário) quando nasce um irmão uma criança passa a ocupar tão pouco espaço que se não fosse reclamar uma chucha, outra vez, molhar a cama (de novo) contra todo o seu brio, ou fazer um esforço para não comer (para ganhar, com isso, mais umas migalhas de mãe e de pai), então sim, a síndrome de privação de colo seria uma catástrofe do tamanho do mundo.
E não vale (não vale!) que os pais digam, e repitam, que decidiram mandar vir outro bebé porque “o meu filho queria muito”... Imaginando que até quisesse um bocadinho, uma criança não é obrigada a imaginar todos os custos com que um pedido desses vem embrulhado. E, depois, supondo que o tenha pedido, um irmão é um irmão: não é um bebé (que não joga à bola, não brinca às escondidas e não compõe uma belíssima quadrilha para assaltar o armário das bolachas). E, por mais que, num dia mau, tenha insistido muito em ter um irmão, uma criança não é obrigada a saber que um bebé vem equipado com tantas restrições que, em vez dele ser um presente, o transformam num encargo para toda a vida. E, finalmente, quem manda os pais dizer que sim a todos os caprichos que passam pela cabeça dum filho mimado?...
Por outro lado, “eles gostam muito um do outro” – tão do agrado dos pais – é slogan. Nada de confusões! Aliás, como é que se pode estar como Deus e os anjos com quem nos mostra que crescer é uma espécie de promoção pelas escadas abaixo? Como é possível não ter um ódiozinho de estimação por quem, só porque reclama o nosso brinquedo favorito com o volume no máximo, merece do pai e da mãe um meloso “deixa lá!...”? E como não há-de uma criança sair do sério quando, enquanto ela tem de comer a sopa sozinha, e tem de se cansar, pegando no garfo, o “doutor bebé” tem direito a tudo e a mais alguma coisa, como se o estatuto do crescimento empanturrasse de coimas uma criança enquanto diante dum irmão, cheio de mordomias, os pais quase parece que se vendem por um minúsculo sorriso?
Não, eles não gostam muito um do outro! Se uma das mamas da mãe desse leitinho ao bebé e a outra coca-cola (como o Pedro chegou a perguntar) ainda vá! Mas, não sendo assim, como é que uma criança não haverá de ter um gosto particular ao insultar um irmão chamando-lhe... bebé? E porque é que há-de ser proibido que a mão se torne leve e lhe fuja e, contra a sua vontade (já se vê...), e uma criança acabe a premiar um bebé com um afetuoso... palmadão? E como é que uma criança não há-de ter uma tentação de apertar sei lá o quê à concorrência quando ouve a mãe a dizer-lhe: “Quem é o meu bebé, quem é?” (enquanto besunta o irmão com uma infinidade de beijos e de abraços)?
É verdade que os pais são brinquedos de imenso agrado para as crianças: são ergonómicos, preenchem as exigências de segurança da comunidade europeia para os brinquedos, não se partem em pequenas peças e, apesar das idas insistentes ao ginásio, têm os cantos arredondados (o que as protege muito de quaisquer acidentes). Mas, sim, apesar desse imenso privilégio, um irmão pode ser o melhor brinquedo do mundo: mexe-se e fala, desafia e aconchega, é rival e cúmplice, e... é parvo todos os dias (sobretudo, quando não se chega à frente para repreender os pais sempre que ralham, duma maneira mais ou menos desenfreada, com quem é mais velho). É claro que os irmãos são brinquedos muito complexos que chegam à vida duma criança vindo equipados sem folheto de instruções. E não são programáveis (o que, consoante os dias, pode ser uma desvantagem). Mas se valem o que valem, ao longo dos anos, apesar das atitudes desengonçadas dos pais, é porque as suas qualidades resistem a quase tudo.